História

História

As origens de Sangalhos perdem-se na noite dos tempos. Ultimamente, têm aparecido vestígios arqueológicos inequivocamente romanos e alguns mesmo anteriores. Os povos pré-romanos da região do Vouga eram já uma mistura de raças europeias e mediterrânicas, sendo de destacar os celtas e os túrdulos. Deve ser essa também a origem do povoamento de Sangalhos.
Não tem cabimento a teoria segundo a qual Sangalhos teria tirado o nome de uma medida, pois, como referido adiante, foi a medida que recebeu o nome da terra. Como mostrou Joaquim da Silveira, o topónimo Sangalhos pode bem ter a sua origem no culto a São Galo (Sanctus Gallus). Se assim for, podemos situar a origem da paróquia no século VII, em pleno período visigótico.
Os primeiros documentos que falam de Sangalhos datam de 957, 961, 1064, 1132 e 1143. Neste último ano foi fundado o reino de Portugal.
 
Evolução Histórica
Na época romana, a área que viria a formar a freguesia de Sangalhos fazia parte do território da cidade de Talábriga (Marnel, Lamas do Vouga). Na idade média, o concelho de Sangalhos pertencia à terra de Vouga, cuja sede, conhecida como Burgo de Vouga, se situava também no Marnel. A partir do século XVI pertenceu à comarca e provedoria de Aveiro. Com a reforma administrativa do século XIX, a freguesia de Sangalhos foi integrada no distrito de Aveiro. Na divisão religiosa, a paróquia de Sangalhos fazia parte do arcediagado de Vouga, um dos arcediagados em que se dividia o bispado de Coimbra. Transitou para a diocese de Aveiro, quando esta foi criada, no século XVIII (1774).
 
Nos séculos XII/XIII, Sangalhos era uma das principais vilas da região, juntamente com Horta (Tamengos), Recardães e Óis da Ribeira. Em 1320, a igreja de São Vicente de Sangalhos era a mais rendosa de toda a Bairrada e uma das mais rendosas do Baixo Vouga.
 
Em 1220, a freguesia (paróquia) de Sangalhos compreendia os lugares de Sangalhos (com dois polos: «Sancto Galios et alio Sancto Galios»), Avelãs de Baixo, Sá, Casal da Rua e Saima. Os concelhos de Sangalhos e Avelãs do Caminho já existiam na primeira metade do século XIV. Os respectivos forais manuelinos foram ambos passados em 1514. Do ponto de vista religioso, no entanto, Avelãs do Caminho fez parte da freguesia de Sangalhos até ao século XIX.
 
Em 1338, a terra de Sangalhos foi doada ao mosteiro de Santa Clara de Coimbra, fundado pouco tempo antes. Esta instituição, que possuiu a terra durante quase 500 anos, parece ter incrementado bastante o povoamento da freguesia. Surgem então povoações como Amoreira da Gândara, Fogueira, Paraimo e São João, todas já mencionadas no foral manuelino. Em 1623, o mosteiro trazia terras da renda de Sangalhos aforadas a mais de 300 famílias ou indivíduos. A área total de terreno aproximava-se de 2000 ha. Em 1720, para fazer a capela-mor da actual igreja, gastou o mosteiro um ano de renda.
 
Sangalhos foi sede de uma capitania-mor (região militar) cujo território abrangia várias freguesias dos modernos concelhos de Anadia, Oliveira do Bairro e Águeda. Dividida em quatro companhias de ordenanças, era uma das mais extensas capitanias-mores da região.
 
Com a revolução liberal (1820-1835), a doação de Sangalhos a Santa Clara foi anulada e os concelhos de Sangalhos e Avelãs do Caminho foram extintos. A organização militar das ordenanças foi também extinta, desaparecendo assim a capitania-mor de Sangalhos. Avelãs do Caminho constituiu-se em freguesia independente (desmembrada da de Sangalhos) e foi desde logo integrada no concelho de Anadia. Por sua vez, a freguesia de Sangalhos foi integrada no concelho de Oliveira do Bairro, depois no de São Lourenço do Bairro e, finalmente (1853), no de Anadia. Assim, apesar de geograficamente ficar perto da vizinha cidade de Oliveira do Bairro, a freguesia de Sangalhos está integrada no concelho de Anadia. Em 1928, Amoreira da Gândara separou-se de Sangalhos e formou também uma nova freguesia.
 
Apesar da perda da importância politico-administrativa, Sangalhos teve ao longo do século XX épocas de grande prosperidade. Para isso muito contribuiu o dinamismo dos habitantes, traduzido na criação de um grande número empresas, com destaque para as indústrias de bicicletas, pioneiras em Portugal, as caves e as cerâmicas. Graças a esse crescimento, Sangalhos voltou a adquirir o estatuto de vila em 1985 (Lei nº 65/85, de 25 de Setembro).
 
Estradas
É facto de há muito conhecido que a estrada romana passava por terras que vieram a formar a freguesia de Sangalhos. Actualmente pensa-se mesmo que essa estrada passava na própria vila de Sangalhos e que ali existiria uma mansio, isto é, um local onde o imperador e os altos funcionários podiam pernoitar. Uma vez que o intervalo médio entre mansiones era de cerca de 45 Km, existiriam apenas mais duas no trajecto da estrada entre Conímbriga e Brácara Augusta.
 
Na época da fundação de Portugal, o trânsito norte sul continuaria a passar por Sangalhos. De facto, sabe-se que a estrada mourisca (assim chamada porque se dirigia ao território dominado pelos mouros), passava entre Mogofores e Ancas em 1143. Se, na época romana, se situava em Sangalhos uma mansio da estrada Olissipo-Brácara, natural é que o paço de pernoita do rei de Portugal se situasse também em Sangalhos. Uma pequena evidência disso é o facto de Sangalhos se ter mantido como terra reguenga até ao século XIII, pelo menos. Outra evidência está no próprio nome de um dos bairros de Sangalhos, precisamente conhecido como Sangalhos do Paço.
 
Na transição do século XII para o século XIII, o traçado da antiga estrada mourisca foi rectificado e o próprio nome caiu em desuso, passando a importante estrada a ser conhecida como estrada coimbrã (porque se dirigia a Coimbra), caminho real ou estrada real. No seu novo traçado, passava em Aguada de Baixo, São João da Azenha e Avelãs de Baixo (que assim passou a chamar-se Avelãs do Caminho). Em 1220, o paço real já se situava em Avelãs de Baixo, sinal de que o traçado da estrada ou caminho real tinha sido alterado. Um documento de 1226 já chama estrada velha à antiga estrada mourisca e, por outro lado, refere a passagem de uma estrada coimbrã entre Mogofores e Arcos.
 
A freguesia de Sangalhos era ainda atravessada por uma estrada que ligava Aveiro à Beira e a Castela. Passava nos lugares de Sá, Casal da Rua (que dessa estrada tirava o nome) e Avelãs do Caminho.
 
O alqueire de Sangalhos
Sangalhos teve nos séculos XII/XIII uma significativa projecção regional. Isso mesmo se veio a confirmar com a escolha de Sangalhos para centro de aferição do alqueire de Dom Afonso Henriques. Este alqueire, que equivalia ao modius romano (8.733 litros), foi adoptado pelo rei fundador por volta de 1179, ano em que foram passados os forais de Coimbra, Santarém e Lisboa. Estes forais viriam a servir de modelo a muitos forais posteriormente passados a terras do centro litoral e do sul. No arcediagado de Vouga e no bispado do Porto, o alqueire de Dom Afonso Henriques acabou por ficar conhecido como alqueire de Sangalhos, sangalhês ou sangalho. Esta medida só caiu completamente em desuso no seculo XVI, na sequência da reforma dos forais empreendida por Dom Manuel I.
 
TOPÓNIMO
Sangalhos, sede da mais populosa freguesia do concelho de Anadia, é uma povoação antiquíssima, de existência muito anterior à formação política de Portugal.
 
Um documento do anno 957 fala-nos já d'ella, sob a forma villa Sangalios, entre as confrontações da freguesia de Aguada de Baixo (S. Martinus de Aqualada).
 
Outro documento de 1064, isto é um anno depois que a nossa região foi definitivamente reconquistada aos mouros, enumerando bens do vetustíssimo convento da Vaccariça, menciona, in Sangalios, o casal de um certo Elias Exalaba.
 
Ainda outro do ano 1087 inclue, entre as doações que o celebre conde D.Sesinando, governador de Coimbra, fez à igreja dos Mirleos, n'esta cidade, a villa Sangallos, situada in illos Barrios (na Bairrada).
 
Os notários das epochas a que se referem estes documentos, no seu processo de barbaras latinizações empregavam sempre o grupo li para enroupar á latina o l  molhado ou lh da linguagem vulgar. É por isso mais que provavel, que aquellas graphias Sangalios encubram apenas a pronuncia corrente, que seria já então, como hoje, Sangalhos.
 
O que significa o nome Sangalhos? Temos para nós, que este toponymo reproduz  apenas, como o as nossas vizinhas povoações de S. Matheus, S. Lourenço (do Bairro) e tantas outras do país, o nome de um santo do calendário catholico-san Gallo-que seria a invocação de  algum pequenino templo primitivamente erguido ali.
 
S. GalIo, em lat.Sanctus GalIus, discipulo e companheiro de S. Columbano, irlandês de origem, viveu de 551 a 646. Vindo para o continente em 585, dedicou-se especialmente ao apostolado da Helvetia (Suissa) e aí  fundou, junto ao lago da Constança, o celebre mosteiro abbacial, que do seu nome se chamou Sanctus Gallus, nucleo da actual cidade de San GalIo, chamada pelos francezes Saint-GalI e pelos allemães Sanct-GalIen.(I)
 
A par do lat. puro Sanctus GalIus para designar o mosteiro e a povoação da Suissa apparece tambem a forma vulgar, latinizada em Sangalhum, e o gentilico sangallensis. Cfr. Pennotus, Historia Tripartita, 413,1".
 
Em Itália ha tambem uma villa de nome San GalIo na provincia de Bergamo (Lombardia) cujo etymo se relaciona, sem duvida, com o da cidade ou santo referidos. 
 
A reforçar a nossa opinião de que o toponymo Sangalhos provem de S. Gallo, ou antes do lato San(ctus) GalIus, temos ainda alguns antigos documentos portuguezes. Assim: Umas inquirições reais de 1220-1222 mandadas fazer e Beira Ocidental por D. Affonso II e ainda ineditas na Torre do Tombo (Gav. 3, Maço 10, nº 17) referindo-se a Sangalhos chamam-lhe sempre Sancto Galios e Samcto Galyos.
 
N'um Ms. da Bibliotheca Nacional-furo de todos os benefícios e commendas de Portugal (nº 117 do inventário da collecção pombalina) que não é posterior a 1528, chama-se-lhe S. Galles.
 
Duarte Nunez de Lião, na Descripção do reino de Portugal publicada póstuma em 1610, escreveu Sam Galhos e o mesmo fez o compilador da História Eclesiástica de Coimbra, Ms. do principio do sec.XVIII existente na Biblioteca Nacional {A-l-14)vol.II,. fl. 75 v.
Como se passou phoneticamente do lat. Santus Gallus a
Sangalhos (=Sangalios)?
Vamos ver.
 
A evolução é normal.
 
1) Pela apócope da syllaba final de sanctus, esta palavra foi reduzida a san. Em composição com o prenome pessoal, o povo diz sempre, já desde o seco 9º pelo menos, (2) san (variante moderna são) por sancto antes dos nomes proprios começados por consoante. Assim se diz san Gonçalo e não santo Gonçalo, san Gregório e não santo Gregório, san Geraldo e não santo Geraldo, san Brás e não santo Brás, san Jorge e não santo Jorge, etc.
 
Idêntico phenomeno se deu nos vocabulos mui por muito, gran por grande, mem por mendo.
 
Temos assim, depois d'esta primeira modificação, o nome composto: SanGallus, cujos elementos naturalmente se fundiram n'uma unica palavra Sangallus como sucedeu com Sancta Irene (Santarem), que já na epocha árabe se escrevia como um só vocabulo- Xantarin e nos documentos christãos dos sec. X-XI Sanctaeiren e Sanctaren.
 
O facto é, de resto, muito vulgar na toponymia portugueza, pois temos entre outros, o nome de Sandoado (no séc. X Sancto Donato) e os de Santulhão, Samardan, Sanfins, Santalha, Sampaio, Sanhoane.,etc, hoje designações simples de povoações portuguezas e que foram primitivamente compostas do adjectivo sanctus e dos nomes proprios Julianus, Adrianus, Felix, Eulália, Pelagius, Iohannus, etc.
 
2) De Sangallus passou-se a Sangalhus pela palatização dos dois 11 geminados que deram lh, como o lat. galla deu galha, bula deu bolha, collecta deu coiheita, tollere deu tolher, etc.
 
3) Finalmente u passou o, e o s final do toponymo, característica do nominativo latino conservou-se contra a regra mais geral, como nos nomes proprios S. Briços e S. Mancos, povoações do Alentejo; Marcos, Domingos, Paulos (pop.) Duardus (sob.), Carlos, Cristos (ant.) que provem respectivamente do lat. Britius, Mancius, Marcus, Dominicius, Paulos, Eduardus, Carolus, Christus; e ainda como em Bretiandos, Maerecos, Bordonhos, etc., nomes de povoações portuguesas, que derivam de nomes de pessoas no nominativo: Bretemondus, Marecus, Bem-Ordonlius.
 
É natural tambem, que para a conservação do s final concorresse a ideia de que a partícula san primeira parte do nome Sangalhos, seria a flexão são do verbo ser,  que exigia o complemento no plural.
 
E aqui temos como um primeiro templosinho em honra de Sanctus Gallus, erigido possivelmente no sec.VIII n'aquella lomba, que ladeia o Certima pelo lado do poente, viria a ser a origem do nome, e da moderna linda povoação de Sangalhos.
 
Salvo melhor conceito.
Notarei para terminar, que Sangalho foi também appellido português no sec. XIII.
 
Varios documentos de 1264 e 1265 dão-nos noticia de um Martin Eanes Sangalho (Sangallo e Sangalio segundo a graphia da epocha) povoador da villa de Monsaraz, no Alemtejo. Acham-se publicados pelo benemérito archivista da Torre do Tombo, sr. Pedro de Azevedo, no Livro de D. João de Portel, p. 17, 20, 21, 23 e 24.
 
Em Italia houve tambem o apellido Sangallo, ou San Gallo, usado por tres famosos architectos do seco XV- XVI: - Giuliano Giamberti da San Gallo, Antonio Giamberti da San Gallo e Antonio Picconi da San Gallo.
 
(1) Este S. Gallo é festejado pela Igreja em 16 de outubro. Há mais dois obscuros santos do mesmo nome, ambos bispos de Clermont (França) respectivamente fallecidos em 553 e 650 e festejados em 1 de julho e 1 de novembro; e uma Santa Galla, matrona romana, festejada em 5 de outubro.
 
(2) Segundo Vignau, lndece de los documentos... de Sahagan, pago 670 e segg., já se lê San Frucctuoso em 905, San Andres em 945; San Salvador em 959, San Mames em 1073, San Roman em 1077, San Servando em 1084, San Estevan em 1087. Estes documentos referem-se a território espanhol. O proprio nome de Sahagan, ant. Sancto Facundo, soa na epocha do dominio arabe Xanfagan.
 
(Este artigo foi originalmente publicado por Joaquim da Silveira no Jornal de Anadia, Anadia, ano XXlll, nº 1155, 3 de Maio de 1913, pp.1-2, sob o pseudónimo de Th. Ramires.)
 
Fonte:
Wikipédia, a enciclopédia livre.

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